quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Via desolada

Há algo da tristeza do mundo nas folhas levadas pelo vento. Perderam todo o verde e todo vigor que lhes garantia o laço com a árvore-mãe. Mortas, secas, descoloridas, pisadas, perdidas...
Costumo crer que estamos numa época de perfeito abandono. Como folhas dispersas, os olhares descoloridos se entrecruzam, quase mortos...
Por vezes me parece que por trás de alguns desses olhares, escondido no fundo de um desespero mudo, há um silencioso pedido de socorro, um arrependimento de algo que não sabem definir mas que implora redenção.
Vi um olhar assim hoje. Um relance de viva dor entre milhares de pupilas mortas, secas, definitivamente ao léu. Mas esse olhar estava vivo e reconheceu a mesma dor nos meus e por um instante houve um alívio, uma ilha de compaixão, como um pano de Verônica.
"Eu sou a dor do mundo e vou me anunciar" Canta a mãe de Hórus.
A dor da humanidade completamente traída.
A folha que cai, podem estar certos, não sabia que ia cair, que do doce laço que a mantinha ondulando nas alturas se perderia rumo à morte certa. Me convenço cada dia mais que realmente ninguém contava com tamanha queda. Que ninguém podia imaginar que essa humanidade morreria.
E está morrendo. Suas folhas pisadas, dispersas, não podem se reencontrar, nunca mais.
Contudo a árvore da vida, a natureza, sabe que o duro inverno da longa era da morte de suas folhas, passará. E na primavera de sua vitalidade restaurada, uma nova humanidade voltará a florescer.
Até que os tempos se cumpram e a primavera seja eterna.
Enquanto isso...tempos de abandono.
Frio e cinzas.
Olhos que choram.
Folhas no chão.

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