sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Eu, esse inimigo.

Consta de um livro insigne (desses que podem ser tudo para alguém) que certa vez um rei-general passou as vésperas de uma grande batalha insone.


"Toda essa noite não dormi pois algo se agitava em meu coração."

O domínio de si que buscara há tanto tempo o encontrou prestes a ordenar uma carnificina. Pela manhã olhou para a campina e ao longe as cidades que pretendia destruir.
Então se pôs no lugar de seus habitantes.
Sentiu toda a dor e amargura que uma guerra causa aos indefesos, a tremenda desolação que o desejo de grandeza exigia e penetrando em seu coração a essência do horror que estava para cometer voltou e ordenou o regresso das tropas e fez a paz com o outro soberano.

Essa fábula toca na questão do sofrimento.

Mas porque sofremos? Qual é a causa da dor? Porque ela existe? Fomos criados para sofrer?

O sofrimento existe por causa de uma segunda natureza que criamos dentro de nós que é conhecida como ego, eu, mim mesmo, self na psicologia, agregado psicológico no Tibet, demônios vermelhos de seth no antigo Egito, os amados parentes com os quais Arjuna tinha que lutar contra sob a ordem de Khisnha, os sete pecados capitais no cristianismo ou simplesmente ilusões do apego.

Libertar-se do sofrimento é libertar-se de nós mesmos. Ouça a voz do teu íntimo e você escutará que ele somente diz: "sofro". Ele sabe disso porque um dia foi feliz. A criança inocente não tem eus, seu mundo é feliz. Sua essência é feliz. Por isso todas as sabedorias dizem em coro "torna-te como uma criança". Ou seja, desapegue-se.
Derrubar a prisão levantada pelos seus desejos foi o que fez o general, se colocou no lugar do outro (uma boa atitude para quebrar a ditadura do ego, pois o ego só sente ele mesmo) e viu que o que para ele era glória para os outros era desgraça.
Nosso ego cria um mundo para si e nos aprisiona dentro dele. Todos os que estão fora se tornam intrusos nesse nosso mundo. O próximo tem que se adequar a nós, pensar como pensamos, sentir como sentimos, falar nossa língua. Isso é a causa de todas as calamidades que devastam a Terra. Isso ganha proporções gigantescas e se impõe pelas armas. O que é o mundo ocidental-cristão capitalista senão um aglomerado de Egos assustadoramente apegados a um Eu fabricado por séculos?
E esse mundo torna a abertura para o outro cada vez mais estreita. Por isso no íntimo todos sofremos, porque não dá pra ser feliz por fora se o coração está gritando.
E ele grita. Muito.
O ego que é surdo para a voz do coração.




Um comentário:

Lara G. disse...

o ego que finje ser surdo para a voz do coração. gostei muito da sua descrição, Leo! Beijos, gurizinho. rs. ;)