sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O orvalho e o lodo.

"O orvalho do céu brilhando ao primeiro raio do sol no coração do lótus, quando cai na terra torna-se uma gota de lama...
Vede como a pérola se tornou uma porção do lodo!"
(Do mestre da vida)




Reter o "orvalho do céu" dentro do coração. Não deixá-lo misturar-se à lama.
Nunca mais deixar "o lodo" revestir a "pérola".
O orvalho como tudo aquele que te foi oferecido e será para sempre aos que estão vivos: amor, misericórdia, paz interior, compaixão, bondade, justiça e devoção. Quando cai no coração humano costuma misturar-se à lama das ações e intenções baixas: ódio, orgulho, rancor, auto-importância, prepotência.
Que tu retenha o orvalho quando ele ainda estiver na flor do lótus, em sua forma pura e depois de um tempo é certo que do teu interior fluirão rios de águas vivas.
Enquanto isso olhe para a "pérola"...Veja como ela está suja de "lodo".
Olhe para dentro de si.
Nas últimas madrugadas algo em mim tem se olhado através dos meus olhos.
É ele que existe.
Eu passarei...
A não ser que limpe muito bem "a pérola" para que ele me reconheça como filho.
Como alguém que amo disse: "É qualquer coisa de irreversível"...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Eu, esse inimigo.

Consta de um livro insigne (desses que podem ser tudo para alguém) que certa vez um rei-general passou as vésperas de uma grande batalha insone.


"Toda essa noite não dormi pois algo se agitava em meu coração."

O domínio de si que buscara há tanto tempo o encontrou prestes a ordenar uma carnificina. Pela manhã olhou para a campina e ao longe as cidades que pretendia destruir.
Então se pôs no lugar de seus habitantes.
Sentiu toda a dor e amargura que uma guerra causa aos indefesos, a tremenda desolação que o desejo de grandeza exigia e penetrando em seu coração a essência do horror que estava para cometer voltou e ordenou o regresso das tropas e fez a paz com o outro soberano.

Essa fábula toca na questão do sofrimento.

Mas porque sofremos? Qual é a causa da dor? Porque ela existe? Fomos criados para sofrer?

O sofrimento existe por causa de uma segunda natureza que criamos dentro de nós que é conhecida como ego, eu, mim mesmo, self na psicologia, agregado psicológico no Tibet, demônios vermelhos de seth no antigo Egito, os amados parentes com os quais Arjuna tinha que lutar contra sob a ordem de Khisnha, os sete pecados capitais no cristianismo ou simplesmente ilusões do apego.

Libertar-se do sofrimento é libertar-se de nós mesmos. Ouça a voz do teu íntimo e você escutará que ele somente diz: "sofro". Ele sabe disso porque um dia foi feliz. A criança inocente não tem eus, seu mundo é feliz. Sua essência é feliz. Por isso todas as sabedorias dizem em coro "torna-te como uma criança". Ou seja, desapegue-se.
Derrubar a prisão levantada pelos seus desejos foi o que fez o general, se colocou no lugar do outro (uma boa atitude para quebrar a ditadura do ego, pois o ego só sente ele mesmo) e viu que o que para ele era glória para os outros era desgraça.
Nosso ego cria um mundo para si e nos aprisiona dentro dele. Todos os que estão fora se tornam intrusos nesse nosso mundo. O próximo tem que se adequar a nós, pensar como pensamos, sentir como sentimos, falar nossa língua. Isso é a causa de todas as calamidades que devastam a Terra. Isso ganha proporções gigantescas e se impõe pelas armas. O que é o mundo ocidental-cristão capitalista senão um aglomerado de Egos assustadoramente apegados a um Eu fabricado por séculos?
E esse mundo torna a abertura para o outro cada vez mais estreita. Por isso no íntimo todos sofremos, porque não dá pra ser feliz por fora se o coração está gritando.
E ele grita. Muito.
O ego que é surdo para a voz do coração.




quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Razão sangrenta sob o desvio do nojo.

O capitalismo a si mesmo se vence até à morte, tanto no plano material como no plano ideal. Quanto maior a brutalidade com que esta calamidade tornada modelo social universal, devasta o mundo, mais ela vai infligindo golpes a torto e direito em si mesma e minando a própria existência. Neste quadro se inscreve também a decadência intelectual das ideologias de outrora, numa ignorância e falta de ideias espantosas: direita e esquerda, progresso e reação, justiça e injustiça coincidem de forma imediata, se tornam uma só coisa nojenta e mentirosa, já que o pensamento nas formas do sistema produtor de mercadorias se paralisou por completo. Quanto mais estúpida se torna a representação intelectual do sujeito do mercado e do dinheiro, mais horroroso fica o seu tagarelar cansativo das apodrecidas virtudes burguesas e dessa lepra exposta que chamam de "valores ocidentais". Não há paisagem do planeta, marcada pela miséria e pelos massacres, sobre a qual não chovam a cântaros lágrimas de crocodilo, de um humanismo policial-democrático; não há vítima desfigurada pela tortura da vida abstrata que não seja usada como pretexto na exaltação das alegrias da individualidade burguesa. Qualquer idiota a soldo do estado, que se esforça por escrever umas linhas, invoca a democracia ateniense; qualquer patife ambicioso, parasita político ou da ciência, pretende bronzear-se à luz do iluminismo falido.
Agora, o que ainda quiser ser chamado de crítica radical só pode distanciar-se com raiva e nojo de todo o lixo intelectual do Ocidente. Tem que ser de uma radicalidade tal que destrua a auto-legitimação iluminista até a poeira dos ossos. Para traidores não há desprezo suficiente.
Na "guerra santa", na cruzada contra os monstros por ele próprio criados, num mundo por ele próprio devastado e barbarizado pela via do terror econômico, o espírito-zumbi do capitalismo esclarecido agora só pode assumir a forma de caças-bombardeiros americanos e tanques israelenses democratizando a morte em cada disparo "humanitário".
Os que vão à TV pedir uma morte mais digna, o papa, Bono Vox, estrelas de cinema, políticos-vedetes e demais pilantras do circo midiático, encontram eco mundo afora e qualquer imbecil agora se torna especialista em auto-engano. E isso já não é mais nem trágico, nem ridículo, é simplesmente nojento.
O que dá à luz ao monstro da auto-aniquilação "democrática" global, é a recusa em morrer do pavoroso sujeito burguês, afogado na imundície do vômito consumista que se faz ouvir sob a forma de grunhidos de porco, inarticulados e malignos diante da massa de mortos-vivos autistas famintos por produtos de marca, a multidão catatônica da religião do consumo, sua bizarra personificação coletiva.
Os que não foram ainda arrastados pela correnteza do esgoto burguês aprendam com os ratos q não tem ilusões quanto a fugir do escuro, mas pelo menos se mantém à margem de todas as porcarias que passam veloz ao seu lado.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Canção da lebre



"Quando o tiro vem, cair fingindo de morta, juntar todas as suas forças e refletir, se ainda tiver fôlego, dar o fora".


As voltas que o mundo dá deixam os anjos na contramão.
As vezes a compreensão das coisas não pousa, colide.
A capacidade para o medo e a capacidade para a felicidade são a mesma: um mar sem fim, que chega à renúncia do próprio ego (esse lixo do desejo) na qual o que sucumbe se reencontra.
O que seria a felicidade que não se medisse pela infinita tristeza com o que existe ?
Pois o curso do mundo está transtornado. Quem por precaução a ele se adapta, torna-se por isso mesmo um participante da loucura, entusiasmado com o vazio que o engoliu. Não há então nenhum consolo além da lição contida na Canção da lebre, que celebra a astúcia leporina: diante do desespero da morte quase certa, ela se faz de morta para continuar viva, em pleno pavor constrói um ponto de fuga rumo à vida.

Olho para todos os lados, nem sombra daquela que venceu a embriaguez de absinto da vida em ruínas.
Só ela seria capaz de refletir sobre o ilusório do desastre...

*droga
:/

domingo, 16 de dezembro de 2007

Das sefirotes

Três matrizes, sete duplicações, doze simples.
São esculpidas pela voz.

Só retrocedem até a unidade que cria diante da qual não há segundo, não há dois.
O círculo que as contém pode ser virado e aí se torna seu contrário pela intromissão do In.
Por isso Ele as fez pesadas. E os filhos recriaram o dom. O mundo, o ano, o sono. Depois disso começaram as correspondências, braços do universo e as doze arestas do cubo tornaram-se analogia dividida. Mérito e demérito. Quietude e oscilação e :
Paz e desgraça.

Sabedoria e ignorância.
Cultura e deserto.
Cólera contra o fígado
Riso contra o baço.
Pensamento contra o coração.

En-Sofh
Por esta pronúncia pode ser alcançado e será teu fim e será teu início.
Porque o incompleto só começa quando termina.
Por este meio nasceu. E tu que és ternário:
O duodenário é composto de partes opostas, três amigos, três inimigos, três vivificam, três matam, três florescem, três corrompem. A face do justo se aproxima a do ímpio se afasta. Até que venha o inefável e faça "a colheita" de doze em doze eternidades.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Monódia


"Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos com todo seu orgulho lutuoso... Lutuoso de que nenhuma nova maravilha possam predizer.
Tróia se desvaneceu com um grande fulgor funéreo." (Yeats- A Rosa do mundo 1923)


Rostos, livros, as chaves e as coisas espalhadas ao redor.

Os avisos na porta, a água doce do beija-flor, retratos na estante
pequeno mundo de hábitos e detalhes com nosso sobrenome.
Durarão para além do nosso esquecimento
Nunca saberão que nos foram num momento.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Via desolada

Há algo da tristeza do mundo nas folhas levadas pelo vento. Perderam todo o verde e todo vigor que lhes garantia o laço com a árvore-mãe. Mortas, secas, descoloridas, pisadas, perdidas...
Costumo crer que estamos numa época de perfeito abandono. Como folhas dispersas, os olhares descoloridos se entrecruzam, quase mortos...
Por vezes me parece que por trás de alguns desses olhares, escondido no fundo de um desespero mudo, há um silencioso pedido de socorro, um arrependimento de algo que não sabem definir mas que implora redenção.
Vi um olhar assim hoje. Um relance de viva dor entre milhares de pupilas mortas, secas, definitivamente ao léu. Mas esse olhar estava vivo e reconheceu a mesma dor nos meus e por um instante houve um alívio, uma ilha de compaixão, como um pano de Verônica.
"Eu sou a dor do mundo e vou me anunciar" Canta a mãe de Hórus.
A dor da humanidade completamente traída.
A folha que cai, podem estar certos, não sabia que ia cair, que do doce laço que a mantinha ondulando nas alturas se perderia rumo à morte certa. Me convenço cada dia mais que realmente ninguém contava com tamanha queda. Que ninguém podia imaginar que essa humanidade morreria.
E está morrendo. Suas folhas pisadas, dispersas, não podem se reencontrar, nunca mais.
Contudo a árvore da vida, a natureza, sabe que o duro inverno da longa era da morte de suas folhas, passará. E na primavera de sua vitalidade restaurada, uma nova humanidade voltará a florescer.
Até que os tempos se cumpram e a primavera seja eterna.
Enquanto isso...tempos de abandono.
Frio e cinzas.
Olhos que choram.
Folhas no chão.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Os limites da ausência

Fazer magia é também estudar o antigo mundo humano. Mas antigo mesmo. Antes das primeiras grandes cidades, a "Era das tendas". Quando a humanidade era jovem e os homens viviam em paz com a natureza e os seres mágicos.
Então a vida era consagrada ao cosmo, tudo era entendido em termos de unidade. Todos pertenciam à tudo, cada gota de prática era suficiente para fazer ceder as rochas de qualquer ceticismo.
"Em cada grão de trigo dorme escondida a alma de uma estrela". Os antigos sabiam como viver para sempre. Sabiam que sim, que cada um de nós tem um deus dentro de si, uma estrela que espera descobrir a sua órbita. Não só sabiam, viviam essa certeza que era uma certeza viva. A história humana caminhava em sincronia com o tempo dos ciclos, da natureza e do tempo.

Mas então essa unidade foi rompida, quebrada, recusada...
Nascia o poder e as formas de poder que hoje se encontram em seu apogeu. A natureza passou a ser vista não como o útero da vida, mas como algo a ser dominado, sujeitado à sede de lucro. A razão inssossa que só olha para fora, diante da qual tudo é objeto foi posta no trono como única forma de razão. E o homem separado de sua fonte de vida, adoeceu. Se transformou de senhor do mundo em um escravo das coisas e do próprio ego. Criou um mundo sem sentido e tornou ele mesmo, um ser sem sentido, doente e vazio.
E agora este homem está morrendo. A terra se auto-regula, essa forma de viver se torna nitidamente uma loucura suicida, um vício de se envenenar, um incêndio sem alarme que se alastra durante o sono violento da sabedoria em coma.
O homem fez a experiência de sua "criação" e ela se revelou como voltada para a morte, morte dentro e morte fora, suicídio ecológico e espiritual.
Mas os que realmente estão com os olhos abertos e conhecem as antigas predições (que estão se cumprindo com uma exatidão matemática...) sabem que a Era da morte passará e Gaia enfim vencerá as cidades-pesadelo construídas pela criatura enlouquecida.
Mas há uma promessa muito antiga que diz respeito à uma nova Terra, surgida das cinzas da humanidade decaída. Como no parto a dor precede a vida.
Neste mundo onde a verdade da vida foi tão perfeitamente aniquilada, destruída, essa promessa adquiriu status de mito, no entanto o estudante de magia sabe muito bem como toda essa triste história acaba nos limites da ausência:

..." e os mansos herdarão a Terra"

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Era dos adeuses

Há um tempo atrás haviam algumas folhas de caderno reunidas sob o título "Mesmo com tantos contigo" onde dialogavam sem choque o mundo interno e o externo. Mas não que isso por si só fosse o equilíbrio alcançado ou que o conflito se fizesse necessário, não, era só inocência...
Conhecimento traz a perda da inocência, essa é "a queda", não há volta, não há regresso para quem entendeu.
Não, não é entender o mundo pela via da ciência moderna, prostituída e puerial, o espelho acabado do perigo que significa o conhecimento aleijado, isso é, desvinculado da sabedoria. Não vou perder meu sono querendo saber se Deus existe ou que ele é, nem que tipo de lógica ordenadora sustenta o universo e já deixei de queimar as pestanas com os mil porques que antes choviam sobre mim.

"Certa vez foram até ao Buda e lhe perguntaram porque respondia com evasivas e enigmas as questões vastas como o que é o universo ou se Deus existe. O Buda então lhes perguntou se alguém que acaba de ser ferido por uma flecha vai se preocupar em saber que tipo de flecha é, de que ângulo foi desferida, de que material é feita ou pelo contrário, se sua preocupação urgente é retirar a flecha e se curar pra salvar a vida?"

Assim eu já encaro as coisas, já não me magoa que nunca saberei as "vastas questões", não fui feito para isso, fui feito para viver bem com meus semelhantes e com a natureza que me cerca, depois disso, dessa fidelidade, morrer sem angústias e sem remorsos. Mas o que vejo? Um ser que se afastou da natureza, criou um mundo artificial e respirando veneno se esquece que o que levamos conosco está dentro de nós e não nas coisas que só nos consomem. Diante da TV pessoas que aplaudem a polícia do RJ matando pobres, pensam que estão vivendo enquanto que com tanta energia sugada estão literalmente morrendo. Esse é o mundo científico, que constrói maravilhas sem sentido. É por isso que finda a era dos juramentos e sagrações, da inocência no "paraíso perdido" começa a Era dos adeuses. É lenta, dolorosa no início, mas doce no fim, onde não haverá mais ego para exigir sua cota diária de ilusões.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Espelho de letras














É vindo que agora já não será nem uma reunião de impressões do dia-dia/noite-a-noite nem expedições inúteis no interior da minha natureza, mas o nascimento de uma gagueira...
Alguns traçados de linha quebrada que vão partir sempre em adjacência com o sensível do incessante novo mundo, uma espécie de linha de fuga ativa e criadora dentro do meu tempo irreversível.
As matilhas de animais se formam, se desenvolvem e se transformam por contágio. Elas são ao mesmo tempo realidade animal e realidade do devir-animal do homem e por isso o contágio é ao mesmo tempo responsável pelo povoamento animal e pela propagação do povoamento animal desses Leonardos.
São contos, ou narrativas e enunciados de mil perplexidades
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São as "Núpcias do imaginário".

Porto Alegre - RS